Conversa feminina

Izabel da Rosa
Vivi e escrevi
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3 min readFeb 11, 2019

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Photo by Anastasia Dulgier on Unsplash

ClaLis me deixe dormir. Não sopre palavras novas em meu cérebro entorpecido.
Preciso esquecer as frases e submergir na profundeza da noite. Ela não me ouvia e continuava a murmurar fonemas que se tornavam palavras e depois frases. Parecia que não formavam ideias. Para me livrar dela, escrevi rapidamente. Não fazia sentido mesmo. Na manhã seguinte seria somente um rascunho a descartar. Preciso dormir ClaLis.

Não falei o seu nome por completo, temia que ela soubesse que eu a reconhecia. Se ela descobrir que a sinto, talvez investigue mais profundamente o meu ser e me desvende com a profundidade que usou ao analisar o bebê que olhava a mãe. Temi seu olhar noturno, do alto dos sapatos de salto, da elegância da saia larga e dos cabelos bem arrumados.
Foi a releitura daqueles contos perigosos que a trouxe. Outras vezes eles já tinham vindo, mas eu não sabia que eram os olhos dela. Agora conectei as duas coisas.
Há dias que eles me seguem. Chegam sem aviso e descrevem os meus passos. Interpretam meus pensamentos. Desdobram fibra a fibra os meus aturdimentos numa perseguição implacável. Se eu derramo as palavras que ela me dita, eles me abandonam por algum tempo e deixam que eu volte a ser normal e tenha uma boca cheia de sorrisos e dedos que querem descansar.
Esta noite ela estava implacável. Tinha muito a dizer. Cansada, implorei. Então ela balbuciou uma canção de ninar enquanto tocava de leve meus ombros com seus dedos longos. Adormeci e tive sonhos sem lógica.

Mas nem sempre ela está sozinha, às vezes, há outra voz que me conta uma história com começo meio e fim. Coisas cotidianas que pessoas de bom senso vivem. As frases de uma e de outra se misturam e quando apazíguo uma, a outra se desconcerta e derrama uma verborragia intensa. Na hora da escrita, não consigo separar o que uma disse e o que a outra criou. E meu texto volta a ser a crônica banal de sempre.
As vezes quem me acorda é a SonMara, alterei um pouco o nome dela para que ela não pense que a estou chamando. Ela é o lado prático da minha mente. Quando acordo já está me incentivando a organizar a cozinha, montar listas de tarefas, ver o horário do pilates ou me alerta — Hoje não é pilates é yoga.
Quando consigo dominá-la, uso o seu detalhismo crítico para rever textos e alterar poesias abandonadas. Dá certo. Ela é produtiva e concentrada. Mas, antes preciso obedecê-la e colocar o vinho branco na geladeira. Os convidados para o almoço não perdoarão se não estiver bem gelado.

O problema é quando as duas, a ClaLis e a SonMara me acordam ao mesmo tempo e meu cérebro se torna o cenário de conversas bem femininas, onde as duas falam ao mesmo tempo e não deixam tempo para que eu revide seus argumentos ou controle seus impulsos para voltar a dormir. Só um áudio em inglês as confunde e elas se dispersam. Acho que não entendem a língua. Ou estão aprendendo também e daqui a algum tempo se intrometerão e questionarão o professor.

Hoje, dei atenção um pouco a uma e impedi a outra de falar, quando a muda se tornou intolerante, alterei a comandante. E passei horas produtivas nessa alternância de poder.
Agora, com minhas alter egos acalmadas, vou começar o meu dia de pessoa normal com visitas a receber. Eu não sou esse ser confuso que escreve. Sou racional, bem resolvida e emocionalmente estável. Acreditem. Elas, a SonMara e a ClaLis, continuam a me investigar e me tornam instável às vezes.

Agora preciso fazer algumas listas. Sonia Mara venha me ajudar.
Eu a chamo por seu nome real quando quero que ela me atenda.
E Clarice Lis, me esqueça. PRECISO PARAR DE ESCREVER.

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Izabel da Rosa
Vivi e escrevi

Eu não tenho os pés no chão tenho uma ânsia de asas entregues à correnteza das palavras que me visitam e contam coisas que só sabem os que sentem.